quinta-feira, setembro 30

Espelho, placas e queda - Pseudo-Postagem Temática

Sabia quais eram os problemas de cor e salteado; sabia quem era o culpado, quem se fazia de vítima... Sabia quem aparecia no espelho. Já vira o filme antes - uma vez e outras tantas. Fizera escolhas e não se arrependia delas, mas por que tudo precisava sempre ir para o lado errado? As placas apontavam a direção, mas quem disse que confiava nelas? Quem?

Placas. Quem precisa delas? Tomou a direção do precipício e pulou. Voava. Quem disse que era preciso descer a montanha pelas estradas sinuosas em vez de escolher o caminho mais rápido era quem precisava das indicações; era quem precisava de alguém que escolhesse os caminhos em seu lugar. Nunca precisou de placas. Desceu o precipício com toda a intensidade que ele merecia.

Mergulhou na vida de um jeito que, talvez, fosse fazer com que se afogasse de vez. Pulou do alto e esperou pelo impacto; ansiava por ele. Queria cair e acordar. Cair, e deixar que o espelho se quebrasse. Precisava do conforto das estradas claras e das placas mudas.

Precisava de um paraquedas.

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De novo, perdi o prazo da Postagem Temática. A correria diária - e uma "provinha básica" da faculdade - me fez esquecer das coisas que me davam prazer e descanso, como escrever aqui. Não pude deixar de produzir o texto, ainda que fora do tempo, porque achei o tema interessante; como estou fora do prazo, o "Postagem Temática" não vai no título (pseudo-postagem temática, pra fazer referência) mas a sugestão veio de lá e outras pessoas também escreveram sobre QUEDA, o tema da vez. Então, entra no Blogsintonizados e dá uma conferida nos outros textos.

sexta-feira, setembro 24

Da noite, da Lua e da Névoa

Através da janela assisti o Sol se pôr e dar lugar para a Lua, que já estava tímida brilhando no céu. Da janela do segundo piso da casa velha eu acompanhei o dia virando noite e a noite virando chuva de prata, de tantas estrelas que se podia ver. Até estiquei a mão para apanhar uma delas, mas ela me olhou com olhos pidões e eu me senti mal por ter tentado tirá-la de seu espetáculo pessoal.

Através do vidro embaçado pela minha respiração eu vi a névoa da noite abandonar as estrelas para acompanhar as pessoas que passavam lá em baixo, do outro lado da rua. Eu lembrei do quanto a Lua devia ficar incomodada com a presença daquela coisa que intimidava as pessoas, e que por isso deixavam de admirar seu brilho. Da janela do quarto eu imaginei a névoa pedindo desculpas para a Lua, e prometendo que não ficaria muito tempo, e a Lua sorrindo gentilmente de volta, como se seu enorme coração invisível fosse capaz de perdoar qualquer coisa.

Eu quis ser como a noite, que soube se impor ao maior astro do sistema... e como a névoa, que ousou interromper o as luzes de prata de um céu cheio de estrelas. Mas tive mesmo inveja do coração da Lua, que nem mesmo era de verdade e, ainda assim, era melhor que o meu. Melhor até que a minha utopia de coração; melhor do que a minha vontade de ser coração.

sexta-feira, setembro 17

Primaveras

O relógio despertou às 6:15 da manhã, como todos os dias. Relutante, levantou da cama antes que essa se mostrasse demasiadamente atraente e acabasse por atrasá-la para o trabalho. Demorou para escolher uma roupa - e por isso se arrependeu de não tê-la separado na noite anterior, pra não deixar brechas para dúvidas quanto as cores - mas acabou não fugindo do normal: jeans, blusa cinza, casaquinho preto. O importante era estar confortável; ela estava confortável em sua camisola, mas sabia que não o ficaria se saísse na rua daquele jeito. Vestiu-se, olhou-se no espelho, olhou a irmã que ainda dormia no quarto, olhou os sapatos - sem salto - e decidiu que os calçaria depois.

O relógio da irmã despertou, significando 6 horas e 30 minutos. A mana acorda ainda dormindo, suspira, olha pra ela e para a sua roupa. Ela pergunta "Tá muito estranho?" e a mana responde "Não mais do que tu costuma usar" e ambas sorriem. De repente, como se agora sim a reconhecesse, a mana diz "Ah, Feliz aniversário!" naquela animação que lhe é característica pela manhã. Ela sorri e se olha no espelho; agora, não mais com 18, mas sim 19 anos. Nasceria às 8:30, mas a mana não esperaria até lá para dar-lhe os parabéns, assim como não esperou o dia para dar-lhe um presente. "Obrigada", ela responde, porque também não esperaria até 8h e 30min da manhã para dizer que tinha 19 anos.

Tem detalhes que não mudam nada, e ela havia aprendido a deixá-los de lado. São detalhes. Mas os sapatos não combinavam com a blusa, e precisaria trocá-los. Detalhes.

quinta-feira, setembro 9

Olhos de sombra

Eu caminhei. Passei pelas ruas que costumo passar todos os dias; quando foi que deixei de ser visível a olho nu? Eu deixei de ser ponto para ser traço, e deixei de ser um eu que já nem lembro direito quem é. Eu passei por todas as tuas ruas e lembranças, e nem minha sombra encontrei no caminho.

Estava invisível aos olhos cegos de quem já não me reconhece. Reconhecimento próprio de um fracasso sensível aos sentimentos detidos num porão interminável. Escuro. A droga da espera esperançosa de um futuro tão visível quanto a minha sombra nas tuas ruas.

Comecei a correr.

sexta-feira, setembro 3

Raios

E se há muito tempo ele não via o sol, era somente sua culpa. Sua própria estranheza frente ao que parecia ser o senso comum de felicidade acabava por trancá-lo dentro de si; a meteorologia não anunciava condições melhores de tempo.

Não queria permanecer isolado; entretanto, o temporal era ameaçador. Eis que surge em meio a tantas gotas um raio tímido de sol, de cabelos louros e pele sardenta, e que tinha pernas longas e formas perfeitas. E esse sol, desafiando os raios e relâmpagos que clareavam o céu, ousou dissipar um pouco as nuvens e ainda substituir a ventania por uma brisa agradável. Todo o calor que tinha, emanava para o temporal interno de um conhecido perdido em si.

Mas ele sempre fora um fraco. E sempre seria vítima de sua própria covardia. O sol lhe oferecera uma saída de emergência, mas ele insistira em permanecer em seu dilúvio. Raios de sol, chovia.