domingo, julho 31

Cruzada

Chegara novamente à linha que separava as coisas. As coisas boas das coisas não tão boas; das coisas moribundas. Encontrava-se tão próxima da escolha errada que já nem mais sabia por onde voltar para antes da linha. Para antes do tempo em que a linha não existia, ou nunca fora vista.

Repensara seus passos, refizera seus caminhos calmamente. Como foi que chegara ali? A parte do percurso que a deixara onde estava não lhe era conhecida. Não lhe era amiga. Não era parte dela. A linha a encarava novamente, como se a desafiasse a cruzá-la. Como se olhasse em seus olhos e sem nenhuma palavra a convencesse de que era mais forte do que ela própria. Convenceria aquele par de olhos a entregar-se ao lado moribundo da linha e a reconfortar-se nos braços dos seus medos secretos, com os olhos tão cerrados que não mais abririam-se. Aqueles olhos desafiados.

Chegara novamente à linha que determinava as coisas. Que dizia se os passos iriam para frente ou se ficariam estacionados; ou se iriam para outra direção depois da divisória, que não chegava no lado agonizante mas que seguia rente a ele. Desafiou os passos. Cruzou a linha.


Andaria até chegar ao topo do precipício.

quarta-feira, julho 27

- Bom dia, Dia

Bom dia aos pedidos e às preces ignoradas, às amizades distanciadas. Bom dia aos passos trôpegos, sem direção nem sentido. Bom dia aos sentidos perdidos, aos faróis apagados, aos carros assassinos. Dia dos olhos vidrados, dos sonhos, dos braços sem vida; das bocas mordidas. Bom dia aos dias de sempre. Da vida de sempre. Da vida de ontem igual a das próximas duas semanas; igual aos dias de dois meses atrás e iguais aos próximos anos de vida. Bom dia, mundo real. Bom dia, rotina de merda.

Bom dia, tristeza.

sexta-feira, julho 22

Nota I

Eu vi os carros passando e neles, junto às janelas, as crianças dormiam. Pensei nas pessoas passando pela vida inteira sem sorrisos nem janelas. Sem as crianças que eram.

Seria ruim deixar as crianças dormindo enquanto brincamos de vida.


Elas sempre souberam brincar melhor que a gente.

segunda-feira, julho 18

Da crença, da palha e da promessa

Ainda acreditava naquilo. Em tudo; ainda que fosse só por mania de ser bobo, mesmo. Ainda acreditava que o coração não era de palha, que poderia ser dado ao fogo e ser tomado de volta vivo, sem marcas, sem tê-lo desfeito em cinzas. Aquilo tudo que dissera a ela não era mentira; ele via a verdade refletida nos lábios que nunca foram seus.

Por mais que fosse distante, e difícil, e improvável, ele acreditava naquilo. Um dia haveria de sentir-se cumpridor da promessa que fizera a si mesmo. Um dia a faria crer em tudo aquilo também. Agarrou-se ao calor do coração já entregue ao fogo, prendeu-se na esperança e na promessa, e atirou-se de peito aberto no abismo que sempre parecera tão alto e tão perigoso. Ele acreditava naquilo.

Ele acreditava nela. E nos lábios que haveriam de estar junto aos dele no dia que cumprisse sua promessa.

quinta-feira, julho 7

You and your heavy heart

Você sabe que não haverá quem caiba num coração apertado feito esse. Você pode fingir e fechar os olhos, mas quem acreditará nesses beijos vazios? Digo porque acredito que isso não está claro aqui: a quem você acha que está enganando?


Eu não vejo futuro em corações cercados. E em mentes cercadas. Eu não acredito nos sonhos descritos a caneta. Você me respondeu com um "sim" uma pergunta com alternativas. Com quem você achou que estava falando?